Nada vem do nada (eulogia a meu avô)

Nada vem do nada (eulogia a meu avô)

criado em: 12:07 10-02-2023

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10-02-2021

Hoje, há dois anos, eu ia para Terra Nova me despedir do meu Vô.

Lembro que foram dias difíceis, acampados na casa da minha irmã, com as filhas e netos, todos à volta com a certeza da morte e a esperança incontível de um milagre.

Pude vê-lo no quarto de hospital pela última vez respirando com ajuda de aparelhos, e pude chorar no seu velório, e hoje vejo que isso foi um privilégio em um tempo de pandemia que levou milhares, quase sempre repentinamente.

Nosso avô tinha mais de oitenta anos, mas nem por isso foi menos triste. Nunca vou esquecer a dor da dor, a dor de ver quem você ama sofrendo. A dor de ver alguém que ligava seu futuro e passado, como um livro da vida ou um pássara migratório, que te viu criança e te deu a infância, que te ajudou na adolescência te apoiou na vida adulta, e então desaparecer para todo o sempre.

“Nada vem do nada” dizia o Rei Lear no auge de sua arrogância. Nada vem do nada, mas em algum momento entre esse dois abismos, tudo faz sentido, e em tudo se encontra a paz. Como o amor de uma mãe e de um pai pelos filhos, ou do avô pelos netos. Não precisa fazer mais sentido do que isso. É o amor e não a razão que é mais forte do que esse Nada.


Dizem que dois anos é o tempo que geralmente um coração quebrado pelo luto ou rompimento leva para se recuperar. Li isso em algum lugar fazem anos e não conseguirei averiguar a fonte. Além disso, isso vai depender de pessoa para pessoa e de cultura para cultura, suponho.

Eu sei que de minha parte a perda é irreparável, que era ele o único avô que me foi permitido conviver. E por isso mesmo, vive em mim, de modo inequívoco, muitas coisas boas que ele semeou, que me disse ou me mostrou. Foi um avô que valeu por dois, e que sempre demonstrou carinho, até seu último momento, com sua mensagem de voz nos dizendo que estava bem (não estava).

Me despeço, mais uma vez, sabendo que nunca deixarei de me despedir, porque no meu envelhecimento está ali também a chance de sabedoria que ele plantou; levamos da vida a vida que levamos. Descansa em paz Vô Ivo de Barros.