Medicina é uma arte e não uma ciência
Medicina é uma arte e não uma ciência
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- Ano, Mês e dia: 2023-04-17
- Hora: 18:47
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resumo
Neste artigo, a psiquiatra clínica e psicanalista Juliana Belo Diniz indica cinco livros que ajudam a entender a evolução da medicina e como ela chegou ao seu estado atual. Os livros destacados são:
- "Medicina dos horrores: a história de Joseph Lister" de Lindsey Fitzharris, que narra como a medicina se transformou no século 19 com a introdução da anestesia e assepsia.
- "Longevidade: uma breve história de como e por que vivemos mais" de Steven Johnson, que explora os fatores que contribuíram para o aumento da expectativa de vida ao longo do último século.
- "A vida imortal de Henrietta Lacks" de Rebecca Skloot, que conta a história de Henrietta Lacks e a importância de suas células imortais para a pesquisa biomédica.
- "O imperador de todos os males" de Siddhartha Mukherjee, que aborda a história dos tratamentos de câncer e a influência de médicos, políticos, famílias e governo na incorporação de avanços científicos e tecnológicos.
- "Sem fôlego: a corrida científica para derrotar um vírus mortal" de David Quammen, que descreve os esforços para combater a pandemia de covid-19 e as reflexões sobre os gargalos que impediram a contenção do vírus.
Através desses livros, Diniz busca conectar os leitores com a produção de conhecimento médico e mostrar como os avanços na medicina foram alcançados por meio de debates e conflitos, ao invés de um processo linear e previsível.
Juliana Belo Diniz
15 de abr de 2023
A convite da seção ‘Favoritos’, a psiquiatra clínica e psicanalista Juliana Belo Diniz indica cinco livros que ajudam a entender como a medicina evoluiu até chegar ao que conhecemos hoje
A incorporação do que chamamos hoje de método científico à medicina foi um processo cheio de solavancos e conflitos. Esses conflitos muitas vezes são usados como motivo para que se desconfie das orientações médicas.
No entanto, o fato de médicos – cientistas ou não – discordarem às vezes não deveria ser uma surpresa nem alimentar o negacionismo científico. O conflito sempre fez parte das discussões baseadas na ciência e, quando ocorreu na medicina, não impediu que tivéssemos ganhos extraordinários na redução da mortalidade e na melhora das condições de vida.
No último século, a ciência médica permitiu que não fôssemos mais dizimados de tempos em tempos por epidemias, nem que ficássemos completamente à mercê das infecções bacterianas, doenças metabólicas e inflamatórias, tumores malignos e outros males. Uma mudança extraordinária no cenário da relação entre nós e as doenças, impensável antes de cem anos atrás.
Contar essa história é uma forma de nos conectar com a produção do conhecimento e nos ajudar a acompanhar as divergências que aparecem entre aqueles que atuam como referências da medicina. Essas divergências são inevitáveis e apenas sinalizam o quanto a melhora dos tratamentos médicos não é um processo linear nem previsível, que nos ajuda a perder cada vez menos pessoas antes do tempo.
Medicina dos horrores: a história de Joseph Lister, o homem que revolucionou o apavorante mundo das cirurgias do século XIX
Lindsey Fitzharris (Trad. Vera Ribeiro, Intrínseca, 2019)
A historiadora e comunicadora Lindsey Fitzharris conta como o cenário médico-científico se transformou radicalmente na passagem do século 19 para o século 20. No campo da cirurgia, dois elementos foram essenciais para mudar o cenário de horror que imperava até então: a descoberta de anestésicos eficientes e o controle das infecções por meio da assepsia. São fatores que hoje damos como óbvios, mas que não faziam parte da rotina médica antes de 1850 – e que guardaram certa distância temporal entre si.
Com a descoberta dos anestésicos, o número de cirurgias disparou, mas a maioria dos pacientes submetidos aos procedimentos cirúrgicos continuou morrendo, devido a infecções no período pós-operatório. Foi Joseph Lister, biografado por Fitzharris, quem com muita insistência conseguiu convencer os colegas que a limpeza dos ambientes, instrumentos e feridas cirúrgicas era essencial. Nesta boa reconstrução histórica, nos damos conta do quanto personalidades individuais e encontros acidentais permitiram a incorporação do conhecimento científico às rotinas médicas, numa trajetória com mais solavancos do que gostamos de imaginar.
Longevidade: uma breve história de como e por que vivemos mais
Steven Johnson (Trad. Claudio Carina, Zahar, 2021)
O escritor Steven Johnson descreve os principais fatores que permitiram que a nossa expectativa de vida média saísse de patamares inferiores a 40 anos de idade e ultrapassasse os 80 anos em alguns locais do mundo.
Muitas das transformações necessárias para prolongar a nosso tempo médio de existência, como as vacinações em massa, foram baseadas no conhecimento científico e nas intervenções médicas. Outras foram consequência de melhores condições de vida – principalmente sanitárias – e redução da fome. O que é inegável é que hoje morremos muito menos do que há um século, e lembrar disso é essencial para que não criemos a fantasia de que a longevidade é uma dádiva natural e não uma conquista humana embasada em conhecimento técnico.
A vida imortal de Henrietta Lacks
Rebecca Skloot (Trad. Ivo Korytowski, Companhia das Letras, 2011)
O desenvolvimento de culturas de células imortais foi um avanço tecnológico formidável para a pesquisa biomédica. Foi daí que surgiram as vacinas da pólio e da infecção por papiloma vírus, bem como a contagem de cromossomos e a o mapeamento do genoma humano. Uma das personagens essenciais para que esse avanço fosse possível foi Henrietta Lacks, doadora involuntária de células cancerosas que ficou esquecida por muitos anos no meio científico.
A obra de Rebecca Skloot é um relato extraordinário da vida de Henrietta, resultado dos anos em que a autora acompanhou a vida dos filhos e do marido da biografada. Além da ciência, ficam claros os conflitos éticos, raciais e sociais que envolveram as células imortais. A história é comovente e se torna ainda mais tocante pela sensibilidade de Skloot em manter os relatos na sua forma original, em primeira pessoa. Essa é uma história não só de uma revolução científica, mas também de como essa revolução afeta aqueles que tem muito pouco controle sobre os seus rumos.
O imperador de todos os males
Siddhartha Mukherjee (Trad. Berilo Vargas, Companhia das Letras, 2012)
Em seu primeiro livro, o oncologista Siddhartha Mukherjee conta em primeira pessoa a história dos tratamentos de câncer, com seus momentos trágicos e ganhos impensáveis. Por um lado, pessoas puderam viver mais e até, em alguns casos, obter a cura permanente. Por outro, um certo furor fez cirurgiões e cirurgiãs se engajarem em tratamentos radicais nocivos, aplicando opções sofridas e dispendiosas em situações nas quais era improvável que elas trouxessem qualquer benefício. Tudo isso permeado pela pressão de parte do público, ansiosa com a evolução científica e insatisfeita com o que julgava ser lentidão em disponibilizar alternativas inovadoras antes da conclusão de estudos.
O livro de Mukherjee mostra que a incorporação de avanços científicos e tecnológicos à oncologia é certamente uma história de sucesso, mas não sem efeitos colaterais. E que foi a reação de médicos, políticos, famílias, imprensa e governo que influenciaram diretamente quais foram os tratamentos pesquisados, explorados e que se tornaram acessíveis.
Sem fôlego: a corrida científica para derrotar um vírus mortal
David Quammen (Trad. Laura Teixeira Motta e Pedro Maia Soares, Companhia das Letras, 2023)
Nos últimos anos, o nome do jornalista David Quammen ficou mais conhecido. Isso por causa de seu livro “Contágio”, que falava na possibilidade de uma pandemia muito antes de a covid surgir em 2019. Em “Sem fôlego”, Quammen retorna ao tema e reproduz as entrevistas realizadas com especialistas durante os anos pandêmicos sobre as tentativas de salvar vidas e conter o avanço das infecções.
Além de prover um relato detalhado dos eventos principais e seus bastidores, Quammen também traz importantes reflexões sobre onde - Fontes & Links: estão os gargalos que nos impediram de conter o coronavírus antes que fosse tarde demais. Dado que novas epidemias estarão sempre à espreita, essa é certamente uma reflexão bem-vinda que interessa a todos nós.
Juliana Belo Diniz _é pesquisadora, psiquiatra clínica e psicanalista. Fez sua formação em medicina pela Universidade de São Paulo e, pela mesma instituição, completou residência, doutorado e pós-doutorado em psiquiatria. Com 42 anos de idade, acumula duas décadas de vida acadêmica, tendo sido autora de mais de 50 artigos sobre psiquiatria e neurociências. Durante sua trajetória como pesquisadora, conduziu ensaios clínicos controlados com medicações psiquiátricas e, atualmente, estuda como essas mesmas medicações atuam no funcionamento cerebral. Em paralelo a carreira como cientista, Juliana sempre atuou como psiquiatra em ambiente hospitalar e em consultório, incorporando tanto o conhecimento técnico e científico como o conhecimento advindo das ciências humanas na sua prática clínica.