A pirâmide financeira da carreira acadêmica
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criado em: 09:43 2023-01-11
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A pirâmide financeira da carreira acadêmica
Com pesquisadores orientando vários pós-graduandos ao mesmo tempo, a única forma de absorver todos os novos doutores na academia seria a expansão contínua do sistema universitário
Engana-se, porém, quem acha que essa realidade é exclusiva do Brasil – ou foi criada pelo governo Bolsonaro. Pelo contrário, a absorção em massa de doutores ocorrida durante os anos do Reuni é a exceção e não a regra em países com sistemas universitários consolidados. As razões para isso são matemáticas: num mundo em que pesquisadores orientam inúmeros pós-graduandos ao mesmo tempo, e não raramente gerenciam grupos com dezenas de membros, a única forma de absorver o universo crescente de doutores é a expansão contínua do sistema acadêmico.
O que é negócio para o país, porém, pode não sê-lo para os indivíduos que buscam o diploma – em larga medida pelo descompasso de expectativas. A maioria dos pós-graduandos, afinal, não só gostaria de seguir na carreira acadêmica como espera conseguir fazê-lo. Nem a irrealidade numérica dessa perspectiva nem as alternativas a ela, no entanto, costumam ser abordadas de forma explícita pelos programas de pós-graduação.
A resposta natural à situação seria assumir a inevitabilidade do gargalo, e reformular a pós-graduação para desenvolver habilidades que vão além da pesquisa em ambiente acadêmico. A recomendação, porém, costuma esbarrar nas limitações dos quadros de orientadores, que por conta do viés de sobrevivência de incluírem apenas doutores que ficaram na academia não são representativos da diversidade de profissionais que precisam formar. Com isso, a tendência natural é que eles direcionem seus alunos para o esquema de pirâmide que os trouxe até ali – no qual os recém-chegados terão cada vez menos chance de ser contemplados.
Como consertar a situação? Em primeiro lugar, discutindo o assunto de forma franca. Isso começa por colocar em questão o propósito de um doutorado, que ainda é visto por muitos como um curso voltado para a carreira acadêmica. A suposição – implícita na algo anacrônica figura da tese – é que um doutor seja alguém capaz de avançar o conhecimento em um campo acadêmico específico. Mas a superespecialização necessária para atingir este fim pode vir em detrimento de habilidades mais transferíveis, como a capacidade crítica para avaliar evidência e a facilidade para transitar entre disciplinas.
Para possibilitar isso, porém, é necessário abordar um problema crônico do mundo acadêmico: sua inospitalidade a carreiras não-lineares. Contratações e concursos docentes em universidades com cursos de pós-graduação são tipicamente desenhados para medir realizações de seus candidatos dentro da própria academia: artigos e livros publicados, estágios de pós-doutorado, experiência docente e assim por diante. Com isso, é muito difícil sair da academia para explorar outras opções e retornar para ela depois, já que alguns anos fora do circuito da publicação científica acabam com a competitividade de seu currículo.
Desfazer o esquema de pirâmide da pós-graduação requer formar doutores mais versáteis, o que por sua vez envolve quebrar a inércia cultural da academia – e seu engessamento burocrático. Um primeiro passo talvez seja repensar a ideia de que existe uma única carreira docente possível na universidade pública, o que a torna menos diversa, desperdiça gente com competências relevantes, e nos impede de moldar a pós-graduação para um mundo em que doutores cada vez mais tomarão outros rumos. E se eu puder colocar meus dois centavos para o governo que começa, talvez seja hora de discutir isso de forma madura, sem preconceitos e utopias de isonomia que facilitam a vida dos sindicatos, mas não a dos alunos.
Mas isso depois de reajustar as bolsas, porque senão logo não vai mais nem haver pós-graduação para consertar.
Olavo Amaral _é médico, escritor e professor da UFRJ.