Por que sobram vagas em tecnologia e faltam empregos aos jovens

Por que sobram vagas em tecnologia e faltam empregos aos jovens

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O setor de tecnologia no Brasil está crescendo rapidamente, mas há uma falta de profissionais qualificados para atender às demandas do mercado. Enquanto as empresas de tecnologia demandam cerca de 159 mil profissionais por ano, menos de 50 mil jovens se formam na área de TI nas instituições de ensino superior no mesmo período. Além disso, há um universo de mais de 3 milhões de jovens desempregados, com acesso restrito às universidades e pouco interesse nas áreas de tecnologia. Um estudo recente identificou seis principais determinantes do problema e potenciais soluções, incluindo a revisão dos currículos das escolas técnicas para incluir metodologias de ensino ativas que incentivam os estudantes a resolver problemas reais e garantem experiências práticas de aprendizagem, bem como a valorização de habilidades socioemocionais pelos empregadores na contratação de jovens talentos. A formação de competências-chave para o desempenho de atividades na área de tecnologia, como matemática, inglês e raciocínio lógico, também é um desafio, principalmente para os jovens de baixa renda.

Luiza Toledo e Talita Nascimento
28 de março de 2023

Currículos das escolas técnicas não estão conectados com as demandas do mercado de tecnologia, sobretudo no que diz respeito à metodologias de ensino que incentivam estudantes a resolver problemas reais

O setor de tecnologia no Brasil vem crescendo em ritmo acelerado, ocupando uma posição de destaque no mundo. O mercado global de software, por exemplo, gerou em 2020 US$ 1,3 trilhão. Só o Brasil foi responsável por aproximadamente US$ 22,9 bilhões, ocupando a 9ª posição no ranking mundial e a liderança na América Latina, de acordo com o relatório da Associação Brasileira das Empresas de Software de 2021. Na contramão deste crescimento está a formação de capital humano em tecnologia no país.

Do lado da demanda por mão de obra, as empresas de tecnologia demandam cerca de 159 mil profissionais por ano. No entanto, instituições de ensino superior formam, no mesmo período, menos de 50 mil jovens na área de TI, o que significa um déficit anual de 106 mil talentos, conforme projeção realizada pela Brasscom. Soma-se a esse cenário um universo de mais de 3 milhões de jovens desempregados, em que os de baixa renda ainda possuem acesso restrito às universidades e pouco interesse nas áreas de tecnologia, como demonstra a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Os números escancaram a urgente necessidade de revisar a formação profissional na área.

Um diagnóstico sobre o que explica o desequilíbrio entre oferta e demanda de profissionais na área de tecnologia e por que este problema persiste no tempo foi produzido pela Telles Foundation, organização sem fins lucrativos focada em garantir oportunidades para jovens de baixa renda, em parceria com a Delivery Associates, consultoria global de gestão pública.

Por meio de entrevistas em profundidade com mais de 30 especialistas na área (educadores, empreendedores e gestores públicos), análise de dados públicos e mapeamento de 34 casos de sucesso (nacionais e internacionais), a pesquisa identificou seis principais determinantes do problema e potenciais caminhos para o desenho de soluções eficazes.

Sob a perspectiva da oferta de profissionais, o estudo revela uma deficiência crônica na formação de competências-chave para o desempenho de atividades na área de tecnologia, como matemática, inglês e raciocínio lógico. Dados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) mostram que, em 2019, apenas 5,2% dos estudantes do ensino médio público se formaram com aprendizagem adequada em matemática. Mesmo as escolas privadas têm dificuldade de garantir uma educação de qualidade em matemática: apenas 39% dos egressos apresentam aprendizagem apropriada na disciplina. A proficiência em inglês também é um desafio para quem quer seguir carreira na área. Empreendedores alertam que o domínio da língua é fundamental para a compreensão de comandos básicos em programação. No Brasil, apenas 10,3% dos jovens entre 18 e 24 anos afirmam ter proficiência na língua inglesa, conforme aponta relatório da British Council.

Para os jovens de baixa renda, a falta de repertório, autoestima e redes de contato também são um desafio a ser superado para ingressar no mercado de trabalho na área de tecnologia. A maioria dos estudantes do ensino público desconhece as oportunidades profissionais e financeiras no setor e são influenciados diretamente pelos seus familiares mais próximos na hora de definir suas carreiras.

O setor de tecnologia no Brasil vem crescendo em ritmo acelerado, ocupando uma posição de destaque no mundo. Na contramão deste crescimento está a formação de capital humano

Além disso, há um consenso entre os especialistas de que os atuais currículos das escolas técnicas não estão conectados com as demandas do mercado de trabalho, sobretudo no que diz respeito à metodologias de ensino ativas que incentivam estudantes a resolver problemas reais e garantem experiências práticas de aprendizagem. Nesse sentido, a pesquisa mostrou que o mercado privado está buscando, cada vez mais, profissionais que consigam reunir habilidades técnicas e socioemocionais. Comunicação, capacidade de resolução de problemas, responsabilidade e autodidatismo são competências consideradas extremamente valiosas, mas que ainda são abordadas de forma pouco efetiva nas escolas públicas. Uma exceção no ecossistema é o currículo das escolas de ensino médio integral, que prioriza o protagonismo juvenil, projeto de vida e autonomia.

Já sob a perspectiva da demanda de profissionais, o estudo revelou que a procura por profissionais juniores é baixa - cerca de 13% - e concentrada geograficamente. Cerca de 41% das 129 mil vagas abertas em TI em 2021 eram para posições alocadas nas regiões Sul e Sudeste. Embora a resposta à pandemia de covid-19 tenha alavancado o trabalho remoto, recrutadores ainda preferem profissionais juniores que vivam na cidade-sede das empresas. De acordo com estudo da Revelo, apenas 19% das vagas em TI eram destinadas para trabalho remoto em 2022.

Outro achado da pesquisa foi a valorização de certificados na hora da contratação de jovens talentos. As entrevistas mostraram que a premissa de que o diploma universitário não é necessário para trabalhar com tecnologia é, em parte, um mito. Embora as empresas não incluam ensino superior como um requisito, na prática, os jovens graduados levam vantagem na contratação. Segundo especialistas ouvidos, a grande maioria das empresas de médio e pequeno porte não possui uma estrutura robusta de recrutamento para identificar as habilidades necessárias durante o processo seletivo. Como consequência, acabam utilizando os certificados como um sinal de qualidade dos candidatos. A exceção são empresas de grande porte, com recursos para investir em capacitação e treinamentos in-house para competências técnicas, como programação, linguagem e codificação. Nesse caso, os processos seletivos priorizam talentos com habilidades socioemocionais e alinhamento de valores com a empresa.

Investir em um novo modelo de ensino técnico, com um currículo que alie conhecimento em tecnologia, habilidades socioemocionais e conexão efetiva com o mercado de trabalho não é apenas uma forma de assegurar o crescimento da indústria de tecnologia no Brasil, mas sobretudo garantir que os jovens de baixa renda estejam preparados para participar do futuro do mundo do trabalho, com o protagonismo que merecem.

Luiza Toledo é formada em psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduada em Desenvolvimento de Liderança pela Fundação Dom Cabral. Atuou por mais de 10 anos na área de recursos humanos, se especializando em desenho de estratégias de desenvolvimento de líderes e formação de jovens. Atua no terceiro setor com foco em educação, com passagens pelo Ismart com foco em desenvolvimento de jovens superdotados. Atualmente, é responsável pela Telles Foundation, organização de filantropia com foco na geração de oportunidades em carreiras de STEM para jovens brasileiros de baixa renda.

Talita Nascimento é mestre em Políticas Educacionais pela Teachers College, Columbia University, e bacharel em direito pela Universidade de São Paulo. Talita atua há mais de 10 anos com educação, tendo exercido cargos de liderança no Ministério da Educação, na Unesco, na Fundação Getulio Vargas e no terceiro setor. Atualmente, é líder de projetos da Delivery Associates, consultoria global de políticas públicas.