as palavras e as coisas

as palavras e as coisas

criado em: 11:13 2022-09-29

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da educacao das criancas, p. 205.

Que tome de Aristipo esta réplica jocosa: “Por que desatar o que, atado, já é intrincado?”. A alguém que desafiava Cleanto com minudências dialéticas, Crisipo declarou: “Vai brincar de passes de mágica com as crianças, e não desvies para isso os pensamentos sérios de um homem maduro”. Se essas tolas argúcias, contorna et aculeata sophismata, 130sofismas tortuosos e espinhosos] devem persuadi-lo a aceitar uma mentira, isso é perigoso: mas se permanecem sem efeito e só lhe dão vontade de rir, não vejo por que deve precaver-se. Há uns tão bobos que se desviam do caminho um quarto de légua para correr atrás de uma bonita frase: aut qui non verba rebus aptant, sed res extrisecus arcessunt, quibus verba conveniant. 131ou que não adaptam as palavras aos assuntos, mas que procuram assuntos aos quais suas palavras possam convir.] E outro: Qui alicujus verbi decore placentis vocentur ad id quod non proposuerant scribere. 132Que para colocar uma palavra bonita são atraídos para o que não tinham previsto escrever.] Com muito mais gosto torço uma bela sentença para costurá-la em mim do que destorço o fio de meu argumento para ir procurá-la. Ao contrário, cabem às palavras servir e seguir, e se o francês não conseguir chegar lá, que o gascão consiga. Quero que as coisas dominem e encham a imaginação de quem escuta, de tal modo que o ouvinte não tenha nenhuma lembrança das palavras.

A linguagem que amo é uma linguagem simples e natural, tanto no papel como na boca: uma linguagem suculenta e nervosa, curta e concisa, não tanto delicada e penteada como veemente e brusca.

Haec demum sapiet dictio, quae feriet. 133 A expressão que fere é a certa.

Antes difícil que tediosa, afastada da afetação, sem regra, descosida e ousada: que cada trecho forme uma unidade; não pedantesca, não padresca, não legalesca, mas antes soldadesca, como Suetônio chama a de Júlio César. E não percebo muito bem por que a chama assim.

de Montaigne, Michel. Os ensaios: Uma seleção (Locais do Kindle 1493-1495). Penguin-Companhia. Edição do Kindle.